Os dias 4, 5 e 6 de agosto de 2015 ficarão marcados
na história de Vicente Pires por uma “mancha negra” inapagável. Hoje, o
Condomínio 200 se parece com um cenário de guerra, onde restam entulhos
amontoados e apenas oito casas, que se mantêm de pé pela força de
liminares. Os moradores dos poucos imóveis restantes ficaram, após as
demolições, privados da água, da energia elétrica, do asfalto interno e do
sonho que um dia ousaram sonhar – suas casas. Assim como nós, todas as vítimas
da 200 investiram suas vidas na busca daquele sonho.
Na via interna do condomínio, postes foram
arrancados, a rede elétrica e as luminárias retiradas, pessoas saquearam o que
sobrou e toda essa ação estatal configurou-se numa contradição desastrada e
curiosa. Primeiro o Estado permitiu e instalou tais benfeitorias. Depois, ele
próprio veio e arrancou tudo. Para piorar, os lotes tinham carnê de IPTU
emitido, muitos já pagos e os moradores ainda dispunham de um ofício da SEOPS
(Secretaria da Ordem Pública e Social) informando que a Administração de
Vicente Pires havia autorizado suas construções.
Mas, nada dessas falhas e incongruências do Estado
valeram como argumento para impedir as demolições. Ninguém teve a oportunidade
do contraditório. Até casas habitadas foram brutalmente arrancadas,
contrariando gravemente a Constituição Federal em seu Artigo V, Inciso XI,o
qual diz que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial”.
Não obstante se havia ou não determinação judicial
para o GDF realizar as demolições, o que se discute e se questiona aqui são os
fatos pretéritos sobre como o condomínio surgiu e a forma como foi
desconstituído. Por que será que o Estado permitiu que o empreendimento
começasse? E as benfeitorias de serviços públicos, porque ele instalou e ainda
cobrou IPTU? E mais: se na chácara 200 havia previsão de 6 mil metros quadrados
para equipamento público, por que quase toda a área de 30 mil metros quadrados
foi demolida?
São perguntas que só o tempo e a justiça irão
responder, se um dia houver uma apuração clara e justa dos fatos. Mesmo com
todo o estado de profunda dor psicológica dos moradores da Chácara 200, em que
a maioria não dorme nem se alimenta adequadamente desde o ocorrido, algumas
daquelas pessoas ainda buscam força na fé para tentar recuperar o que perderam.
Agarram-se na perspectiva de justiça divina e também na justiça dos homens.
Após o fim das demolições, um intenso movimento se
iniciou em Vicente Pires, jamais visto, em que nosso povo ocupou literalmente a
Câmara Legislativa por duas oportunidades. Com isso, os deputados distritais
cumpriram seu papel de intermediar a crise. Foi dito pela AGEFIS que outras 80
chácaras estão ameaçadas de sofrer alguma intervenção, devido às áreas
previstas para equipamentos públicos. Em dado momento, comentei com pessoas do
GDF que visitavam a CLDF naqueles dias: “olha, não precisava vocês terem sido
tão brutais. Ainda existem muitas áreas livres em Vicente Pires, cujos
proprietários já concordaram em cedê-las”.
Para defender as famílias da 200 e das 80 chácaras
ameaçadas, juristas e advogados debruçam-se diuturnamente sobre uma perspectiva
que muitos não acreditam ser possível: a de que as terras de Vicente Pires são
particulares e não públicas. Com essa tese, fundamentada em provas e documentos
históricos de que houve fraudes cartoriais gravíssimas no processo de venda das
terras de Vicente Pires ao longo do tempo, eles esperam provar que houve
ilegalidade e ilegitimidade nas operações da AGEFIS. A União, tampouco a
TERRACAP não seriam donas e, portanto, a “Agência de demolições” não poderia
derrubar os imóveis.
Essa tese da não propriedade pública das terras da
Fazenda Brejo ou Torto e da Fazenda Bananal, ensejaria a cada posseiro de lote
ou chácara o direito ao usucapião rural pela área, decorrente de posses
consignadas nas cadeias dominiais. Existe, por outro lado, a situação dos
herdeiros destas fazendas que lutam até hoje na justiça pelos prejuízos
acarretados ao seu direito de herança. Eles, aliás, é que fomentam a equipe
jurídica com provas documentais das supostas fraudes, iniciadas na década de
1920.
Todo esse episódio lamentável das demolições poderia
ter sido evitado se o governo, ao invés de demolir, tivesse chamado nossa
comunidade para a mesa de negociações. Paralelamente, poderia se iniciar por
aqui em Vicente Pires uma força tarefa fiscalizatória preventiva e educativa
dos órgãos governamentais. Ao invés de demolir, o Estado poderia sim demarcar
áreas, emplaquetar, cercar e vigiar espaços onde se prevê equipamentos
públicos, enfim, coibir terminantemente que novos empreendimentos imobiliários
especulativos surjam.
De fato, quando o Estado cochila e as ocupações se
consolidam, todos caem na mesma vala comum, portanto, dentro dessa lógica
deveria haver a demolição de toda a cidade, afinal todos nós construímos nas
mesmas condições.
É assim que entendo deva ser o dever do Estado:
justo, atuante no seu fim primeiro de proteger o patrimônio público, mas sem
esquecer jamais de se preocupar com o bem-estar das pessoas e dos cidadãos. É
possível sim transpor barreiras jurídicas, com medidas criativas e humanizadas,
com a finalidade de se aplicar o princípio da razoabilidade, posto que Vicente
Pires está em avançado processo de regularização. Nessa perspectiva,
Governador Rollemberg, é hora de Vossa Excelência voltar às famosas “rodas de
conversa” que o elegeram.
Por Geraldo Oliveira - do blog Vicente Pires Alerta
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